terça-feira, 22 de março de 2011

Esculhamba baixinho

Tem gente que acha que o português falado no Brasil é mais parecido com o espanhol do que o português de além mar, o português alfacinha, o português alentejano. Exagero. Falamos português, mas um português suingado, com generosas doses do tupi-guarani. 


Falamos “uai” e “cabra da peste”, com a mesma naturalidade como falamos ‘parcimonioso’ ou ‘encaminhamento protocolar’. Isso é ginga brasileira, é adaptação, é metamorfose.  Mas aqui no Brasil também falamos um dialeto português-inglês. Vamos a shopping centers comprar um jeans no off price. Pedimos um fast food pelo delivery.

Existe uma entidade internacional chamada PALOP – Países de Língua Oficial Portuguesa, que  tentando não esquecer nenhum, fazem parte: Portugal, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné Bissau, Cabo Verde e Timor. Poderíamos também incluir Macau, um enclave no sul da China, e o Brasil. Esses países fazem o Português ser a 7ª língua mais falada no planeta, atrás do Mandarin, Árabe, Indiano, Inglês e outros que tais...  De cada quatro pessoas no mundo, três falam essas sete línguas. O restante fala uma  das mais de 3.000 outras.

O grave é que uma pesquisa de tucano-linguístas afirma que até o ano 2100, o Português será uma língua morta, vítima da globalização e do poder econômico das culturas dominantes. É uma previsão terrível mas que faz todo sentido do mundo. Em vários países existem leis que protegem o idioma natural, o falado pela maioria absoluta do povo. 


Na França, por exemplo, a rede de lanchonetes Mac Donalds teve que se adequar as leis de lá.  Até um simples (?) “Big Mac”, que é o sanduíche mais popular da rede americana de lanchonetes, na França tem outro nome. É único lugar onde um “Big Mac” não chama “Big Mac”. Será que devíamos ter leis assim?

Pode parecer bobagem e realmente temos problemas muito maiores, mas que abusamos do estrangeirismo, abusamos. É ‘flórida!’

No Brasil, liquidação virou ‘off price’; TV é "Globo News', jogo decisivo é ‘play off’; entrega em domicilio virou ‘delivery’. Isso é abuso. Poderíamos pensar em criar uma limitação para os estrangeirismos. Não tem que ter ‘delivery’. Tem que ter entrega em domicílio. E se o comerciante achar que tem um monte de americano como freguês, bota uma placa também com um ‘delivery’ embaixo.

Hoje o inglês é um ativo estratégico da hegemonia americana, não só comercial, industrial ou bélica, mas cultural. É preciso contra-atacar.  É preciso resistir, como fez a França ou a pequena e distante Islândia, um país de pouco mais de 250 mil habitantes, onde mais de 90% fala também o inglês, mas somente quando precisam falar inglês. Tudo que aparece de novo em inglês eles procuram no seu idioma, no islandês – complicadíssimo - as palavras que se adapta a sua vida cultural e social.

O abuso de estrangeirismos funciona como uma forma de exclusão. Antes tínhamos a exclusão pela renda, agora criamos uma nova: a de quem não conhece expressões moderninhas como ‘play list’, ‘stand by’, ‘tele cine emotion’, edifício ‘Independence’, e outras bobagens do gênero.

O idioma é parte da identidade de um povo. Deve ser preservado, deve ser cultuado, ensinado e defendido, até mesmo de inocentes úteis que acham chique ter um nome inglês no nome de sua loja ou na camiseta da moda.


Não falo que temos que alimentar qualquer tipo de resistência ou de rejeição a qualquer língua estrangeira. Pelo contrário, devemos incentivar o ensino de outras línguas. Isso vai aumentar o gosto e a auto-estima pela língua portuguesa. 


Sem essa valorização e pelo abandono das atividades culturais, comemos nossa própria alma. A alma que há no nosso idioma descaracterizado, nas artes relegadas, nas tradições desfeitas todos os dias pela ambição desvairada da imitação do que vem do estrangeiro.  Bye bye.

Um comentário:

  1. "Sem essa valorização e pelo abandono das atividades culturais, comemos nossa própria alma. A alma que há no nosso idioma descaracterizado, nas artes relegadas, nas tradições desfeitas todos os dias pela ambição desvairada da imitação do que vem do estrangeiro."

    Eu simplesmente amei ler a sua matéria.
    Álém de interessante, importante, bem escrita,
    instigante.

    Parabéns por seu talento. E suas idéias.

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