quinta-feira, 17 de março de 2011

Meu guri

Camisa surrada, calça jeans e sandália, um menino dorme em um banco na praça São Januário, no centro de Ubá, entre a sujeira deixada pelos donos de uma lanchonete próxima e porta lacrada de um prédio público.

Só acorda quando ouve algum barulho estranho - algum rapazinho tirando onda, ou um carro de vedete, com som auto e de gosto duvidoso. Tais interrupções acabam com seu sono triste, com a trilha do choro baixinho.

O menino sempre fica por ali, acomodado em um estranho banco da praça que recebe o nome do padroeiro, ou debaixo das marquises pra fugir do sereno ou da chuva. Dorme abraçado a uma muda de roupa e a uma garrafa de coca-cola. Ele acha que tem sorte. Está melhor que a maioria dos amigos, desesperados, presos ou mortos. 

Como lavador de carros – não na praça, feudo de “coisa ruim”, como ele mesmo diz, mas em um estacionamento próximo, em uma das principais ruas do centro, não fatura mais que R$ 10 por dia, mas é dinheiro suficiente para não passar fome nem precisar virar “bicho”, disputando o lixo com os vizinhos que latem e os ratos de asas chamados de pombos.

Diz que já trabalhou como entregador de farmácia e passeador de cachorro. Confessa que faz programa com gente que busca prazer a todo e qualquer preço: “saindo, ganho quase um mês de lavação. A única coisa que não faço é beijar na boca, isso não!” Tem casa, mãe e padrasto num bairro pobre, sem saneamento, nem sonho, nem esperança: “Vou pra lá de vez em quando, mas não consigo ficar... muito problema, muita coisa errada”, justifica, com estranho e incrível bom humor.

Estou no caminho de casa e a chuva fina faz estrangular o tempo e apertar o passo. Nossa conversa termina como começou, repentinamente, sozinha, num misto de curiosidade e compaixão. Já havia percebido sua presença há algum tempo, mas nunca havia parado. Por medo, pressa ou insensibilidade, sei lá. 

Não tem mais de 12 anos e dorme na praça que leva o nome do padroeiro da Cidade Carinho.  Pode parecer clichê, mas a vida, às vezes, é bem mediocrezinha...

4 comentários:

  1. Raul,

    emocionada, viu...
    vou dormir com o teu guri agora,
    a madrugada se faz alta, cama macia me espera.
    Tomara eu durma, tomara o teu guri me deixe
    dormir, teu guri sáo tantos, Raul...

    Vocë tem razão, a vida às vezes é bem mediocrezinha.

    Suprema honra ler seus escritos. Te admiro.

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  2. Muito triste o destino desses Guris" em todo lugar.
    Ea gente acaba levando elas pra casa,e elas domem conosco por varios dias.
    E vida segue.Até quando?
    Amo seus textos!
    Dirlene

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  3. De novo te li, Meu Guri, de novo me emocionei.

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  4. aos meus olhos a vida é medriocrezinha a maior parte do tempo.

    abraço.

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