sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Liberdade é uma calça velha...


Esta é uma crônica sobre liberdade. Sobre qualquer liberdade. Até a de fazer uma crônica sobre liberdade. Tenho livre arbítrio. Deus me deu essa prerrogativa. Prometo usar sem abusar.
Pensei em escrever sobre a liberdade bebendo na fonte dos Filósofos, viajando rapidamente por Sócrates, Platão e Aristóteles. Desisti. Achei que não poderia cometer esse pecado. Os gregos estremeceriam nos túmulos. Cheguei a ensaiar alguns passos dentro da estética e da ética religiosa, mas esbarrei em minha formação cristã ocidental, hermeticamente fechada em minha ignorância eclesiástica. Sonhei em usar o pensamento renascentista, mas Michelangelo e da Vinci fugiram da responsabilidade de inspirar qualquer conceito de liberdade. Entrei em “sites” moderninhos que relacionam a liberdade com a violência, com a Revolução Industrial e com a mais valia. Ficou complicado, mas daria para escrever uma tese contextualizando a liberdade do homem, desde o sapiens até vascaínos, usando ferramentas e exemplos já utilizados por George Orwel, Stanley Kubrick, e Wood Allen.  Claro que as Guerras Mundiais, a intolerância étnica, o militarismo, a derrota do Eixo e Hiroshima ilustrariam minha pretensiosa crônica decantando a liberdade. Mas desisti de escrever.
Desisti porque para ser interessante essa crônica teria que contemplar a liberdade desde o Jurássico, passando pelos anos 60 com o “é proibido proibir” dos estudantes franceses até as Torres Gêmeas e a loucura americana. Teria que fazer pensar na Globalização e o fim da teoria do neoliberalismo libertador. E isso eu não sei fazer.
Por conta disso chequei uma conclusão, mesmo que não seja exatamente o fim, mas o que vem depois disso: Para escrever sobre liberdade temos que parar de tratá-la como bordão, como produto, como slogan publicitário. Essa banalização contribui efetivamente para nivelar por baixo conceitos e idéias de resgate da cidadania, melhor solução que encontro para liberdade. Não é o excluído que trafica ou o menino que nasceu num gueto de favela e resolveu ser bandido, ou ainda o operário de salário mínimo que se marginalizou para sustentar a família o grande inimigo da liberdade. Ou vocês acham que os derrotados pela miséria não querem ser livres?
Nossos apelos deveriam ser direcionados para os banqueiros que não pagam impostos, aos latifundiários que matam camponeses, aos laboratórios e aos planos privados de saúde que fazem a regra do jogo, à televisão com sua programação de violência e mentira. Os apelos deveriam atingi-los e envergonhar o executivo desonesto, o parlamentar corrupto e Judiciário comprometido; aos “bispos” com letras minúsculas que roubam dízimo de empregadas e operários, a polícia que assusta mais do que acalma, os grandes traficantes colunáveis e os viciados que moram nas ‘Vieira Souto’ da vida. É claro que até eles querem ser livres, mas são eles que fabricam a miséria e a violência.
Minha solidariedade aos que vivem comigo a utopia de um mundo mais justo. Feliz 2011.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Esculhamba baixinho


             Meu sonho sempre foi escrever um livro. Mais do que isso. É viver disso. E depois de consagrado, com títulos traduzidos até para o português, escreveria minha autobiografia. É tanta vontade que já tenho até o título da auto biografia pensado: “Esculhamba baixinho...”

       E vou lhe confessar uma coisa. Já comecei a escreve-la quatro vezes, mas sempre termino na quinta folha. É essa minha mania de frases curtas. Sucinto demais. Resumo tudo. Conto o final da piada, não espero os créditos do final do filme. Sempre fui embora aos 42, 43 minutos do segundo tempo. 

      Mas minha biografia seria curta mesmo se não fosse escrita por mim. Tem muitas passagens de tempo da minha vida que em duas páginas conta-se tudo (ou quase tudo, se você não souber ler nas entrelinhas.).  Por exemplo, minha experiência no surf, minha atuação como autor, ator, dublador e diretor de teatro; minha carreira como músico, interprete e  compositor; minha vida literária, seja como pseudopoeta, pseudocronista ou pseudocontista; meus gols de cabeça (todos dois); meus campeonatos de botão;  minhas idas ao Maracanã; meus porres, minhas fantasias, meus delírios e meus amigos. Tudo isso em cinco páginas.

      Se eu deixar de resumir talvez estique a biografia por uns 10, 20 capítulos, mas perderia a autenticidade. Mesmo assim contaria fielmente minhas aventuras pelo Brasil, minhas viagens,  os bizarros e engraçados seres humanos que cruzaram meus caminhos; também  os grandes companheiros de “copo” e alma que cresceram comigo, aprendendo juntos o certo e o errado, o bonito e o feio e principalmente  o etc...

   Minha biografia seria enxuta, para não ferir ninguém. Leve, mas com generosas doses de sarcasmo. Franca, mas salpicada de reflexões pessoais. Agnóstica, mas completamente temente a Deus. Divertida, mas com muita lágrima escondida.  E o mais legal é que você estaria presente.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Voluntários da Pátria


Lázaro Raymundo Gomes, um maranhense pioneiro da imprensa Ubaense, foi fundador da Gazeta de Ubá, um dos primeiros dessas bandas do Xopotó, em 14 de abril de 1889. A Gazeta, como a maioria dos jornais da época, era um jornal monárquico com jeitão republicano. Assoprava mais que batia, e quando batia pedia licença antes. Lázaro também foi editor dos jornais O Movimento e Folha do Povo, esse último comprado das mãos do major Joaquim de Siqueira pelo  senador Levindo Coelho.

Como Joaquim, Lázaro também era major, e essa patente, assim como as demais patentes da Guarda Nacional da época podiam ser compradas. A de major custava pouco mais de 300 mil reis. Coronel, quase 500. Uma nota. Isso era uma bela fonte de recursos para a Coroa. Enquanto esteve no Brasil, por exemplo, Dom João distribuiu quase 6000 títulos de nobreza. Muito mais que Portugal em 300 anos.
 
Ubá tinha vários oficiais da Guarda Nacional e da Milícia Imperial. Desde o capitão-mór Antônio Januário Carneiro, até o alferes Camilo Soares, passando pelos coronéis Galdino de Faria Alvim, Honório Januário Carneiro, Otaviano da Rocha, pelos majores Tito César e Francisco Siqueira, pelos capitães Teixeira de Abreu, Martins Pacheco, Pedro Batalha e José Barletta.

O coronel mais famoso deles, que não era da milícia nem da Guarda, era o Coronel, do Aymorés, que jogou 16 anos no time principal como zagueiro de área. Domiciano Carneiro Filho, ou Coronel, era filho de Domiciano Carneiro, o Nenêm Carneiro, e de  Maria Camila Carneiro. Esse apelido foi talvez a única herança deixada por seu avô, coronel da Guarda Nacional, Domiciano Ferreira de Sá e Castro, um dos mais poderosos fazendeiros de café da região. Rico e influente, vivia em um casarão que ocupava, em Ubá, a área atual do Colégio Sagrado Coração de Maria e da prefeitura.

Esses “militares” não eram soldados. Soldados eram os da Tropa Regular ou de Primeira Linha, como era mais conhecida. Soldado recebia soldo, farda, armamento, cavalo e assistência hospitalar. As tropas auxiliares ou de milícias -  coronéis, majores e tenentes que estão nas placas de ruas de Ubá - , formavam uma segunda categoria.

Na milícia, depois de capitão-mór, o mais alto posto era o de coronel, seguido de tenente-coronel. Somente estes oficiais recebiam Carta Patente, ou seja, além de pagar, eram nomeados pelo governador. Para formar os corpos auxiliares era necessário alistar os moradores. Era comum, em caso de conflitos como a Guerra do Paraguai, a Farroupilha e a Revolução de 1842, a “convocação” forçada de soldados nas praças, de preferência na saída das missas. Vem daí a profusão de praças e ruas no Brasil com o nome de Voluntários da Pátria. 

Teve muita família de Ubá que deixou de ir à missa...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Remoto controle


Somos uma cidade múltipla, diversa e com valores conflitantes. É como se existissem várias cidades, com valores, códigos culturais sem interação, o que nos torna somente uma cidade, nunca uma sociedade. Cultura também é percebida na falta dela. Quando falamos em cultura, pensamos como num espaço para realização de cidadania, mais ainda, como ferramenta de superação, seja pelo reforço da autoestima ou pelo potencial de inclusão socioeconômica que as manifestações artísticas têm.
Ao longo desses mais de 150 anos o poder público ubaense restringiu sua ação no campo cultural quase que exclusivamente como promotor de eventos e distribuidor de incentivos fiscais. Isso parece que mudou. Nesse novo contexto a cultura se impõe como um dever do poder público, não seguindo a cartilha do distribuidor de miséria cultural, ou próximo do elitismo que acredita que cultura é uma exclusividade das classes mais favorecidas. A nova ordem é transformar a cultura em vitrine de uma gestão que vai acompanhar a mais eloquente manifestação do povo brasileiro pela necessidade urgente de mudança. Não uma mudança superficial, mas de mudança de prioridades. É certo que nesses últimos anos o Brasil ainda não é “o país de todos”. Ainda não completamos a tarefa da reconstrução. E os motivos são conhecidos, entre eles a aspereza política culturalmente institucionalizada.
Mas cultura é talvez o mais amplo termo que se usa para qualificar uma atividade ou expressão. Mas o que realmente pode ser considerado cultura? Música, teatro, artesanato, dança, folclore, cinema, festas populares, eventos religiosos, tudo isso é cultura? São muitos questionamentos com várias possibilidades de respostas. Evasivas, completas, sonhadoras, indignadas, apaixonadas. Todos têm uma definição e até mesmo uma predileção. Mas para o cidadão comum, o quê é cultura? Para alguns, cultura é sinônimo de festa. As tradições de um povo, a música, as danças. Uma caminhada pelas ruas é suficiente para ter uma noção do que nossa gente pensa sobre cultura. Quase todas as pessoas têm a mesma opinião. O que muda é a ótica. Quanto mais abastada a classe, mais abstrata é a definição e o sentimento do que vem a ser cultura. Entre as pessoas de baixa renda, cultura está ligada a ensino, tempo de estudo, conhecimento: “é coisa de doutor”; ou: “custa caro”. A cultura popular perdeu espaço na sociedade moderna, mas resiste. O carnaval de rua, os Congados, as Folias de Reis e as Festas Juninas ainda convivem com a “videogueimização” da cultura contemporânea, num antagonismo vibrante que emociona.
A TV e a Internet instituíram um conceito estereotipado de cultura. A TV hoje é talvez o único momento de lazer de boa parte da população brasileira tem. Uma população que assiste hipnotizada para esquecer de um cotidiano não muito brilhante como na TV. Por isso mesmo que ela, a TV, deveria tentar melhorar, tentar formar e informar, educar, divertir, usando essa enorme influência. Deveria contar a nossa história ao invés de valorizar escroques, criar ídolos absurdos, fabricar modelos de comportamento fora da realidade e da capacidade de aceitação.
            O mesmo acontece com a Internet. A acessibilidade que a internet - a utópica biblioteca universal - proporciona, permitindo ultrapassar fronteiras culturais funciona como se de repente todos estivéssemos sujeitos a interagir com outras culturas que não a nossa, com um simples deslizar de um mouse. Não é bem assim. A permissividade, às vezes, emburrece. Pode ser, mas é bom encerrar com a melhor definição de cultura que encontramos nesse contato com a população: “cultura é tudo que se toca e todo que te toca“. Perfeito. Cultura nos toca e por nós é tocada, seja em uma canção ou em uma dança, seja na História ou no idioma, seja num gesto ou em um poema.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

De volta pro aconchego


Raul Carneiro Filho dois pontos


Há momentos em que a vida real abre suas  portas para um cenário tão fiel, um texto tão fantástico e para um elenco tão dinâmico,  que o realismo e o sentimento das perdas diárias ficam lá no fundo, no escuro, enquanto nós, na primeira fila, esticamos o braço e tocamos a pele dos atores. Estou vivendo um desses momentos , desde quando resgatei meu antigo blog.
Mas vamos lá: Nasci em julho de 63, e isso foi – disparado -  a melhor coisa que já me aconteceu. Nasci e cresci no Rio de Janeiro, Botafogo, rua General Severiano, agarrado ao campo do clube. No meu prédio moravam vários jogadores, inclusive o Jairzinho, o Furacão da Copa de 70. Era um grande edifício, era não, é, com uma grande área de lazer, destas que não se vê mais no Rio, a não ser em grandes condomínios da Barra ou Recreio. Jogava bola, bicicleta, papagaio, tinha espaço e companheiros, alguns até hoje.
Entrei na universidade em 1982, Geografia na UFF. Aquele mundão de gente, de cursos, de descobertas. Lá descobri a leitura e vivi todo o momento de redemocratização do país. Durante meu primeiro período da universidade houve eleições para o DCE e, animado pelos ares democráticos, entrei em uma chapa. Pela primeira vez uma chapa quase exclusivamente composta por calouros disputava e ganhava uma eleição na UFF. Eu ainda não respirava política estudantil, até que a ‘coisa’ engrenou. Passei a ler biografias, filósofos, ensaios, Darci Ribeiro, Milton Paiva, Veríssimo pai e filho. Passei a ouvir Elomar, Chico, Xangai. Passei a me informar para ter o que falar.
Tempos depois fiz Administração na Santa Úrsula. Época boa. Rua Farani, em Botafogo - a maior concentração de bares e universitárias por metro quadrado do Rio de Janeiro. De lá, trabalhei em Alagoas numa terceirizada da Petrobrás. Aprendi sobre o Brasil por lá. Essa coisa de ficar de frente para o mar e de costas para o Brasil nos impede de ver nosso país. Miséria, fome, descaso. Vivi situações que irão me acompanhar para o resto da vida. Tenho um baú lotado de recordações desse Brasil. Vasculho de vez em quando. É a Geografia no estado puro, e ela está em tudo que fazemos. Somos seres geográficos. Temos longitudes, latitudes e atitudes.
Voltei para o Rio de Janeiro e lá fiquei. Casado, mudei para Ubá, Minas Gerais, terra de meus pais, avós e quem mais vier. Recentemente segui o caminho da Comunicação Social. Em todos as sentidos, até o geográfico: a faculdade de jornalismo veio bater na minha porta. . Isso foi a segunda melhor coisa que já me aconteceu. Graduado, busquei uma especialização, visando o mercado acadêmico.Virei professor universitário. Leciono também para o ensino fundamental e médio. Partilho experiências com crianças e jovens de 10 a 70 anos, aproximadamente 1700 alunos. Pontos para a máxima que afirma que a vida começa aos 40!
Fui presidente por seis belos anos do Partido dos Trabalhadores de Ubá e acredito que jornalismo e política são ‘farinha do mesmo saco’, não se separam, se completam. São duas forças que mudam o mundo, criam e vencem guerras, salvam e destroem vidas, alimentam e acabam com sonhos. Em meu utópico país jornalismo e política são as mais eficazes armas para combater desigualdades, para promover justiça social, para distribuir renda e matar a fome e a sede dos sertões. Sem um jornalismo ético, comprometido com a retidão da informação não há política que promova democracia, e sem democracia não há nada, não há nada, não há nada.