terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Histórias para ninar gente grande


Outra noite meu filho mais novo pediu para que contasse histórias de quando eu era como ele, pequeno. Comecei vasculhando as lembranças, ordenando memórias e apertando o peito de saudades. Lembrei de amigos distantes: Butterfly, Barata, Penumbra, Niender, James, Besteira, Pinduca, Morcego, Bentivi,  Socila, Zepanca e  percebi como eram tolos e engraçados os apelidos de infância.

O Rio de Janeiro dos anos 70 foi o cenário da história que comecei a contar a meu filho. Contei que estudava pela manhã no bairro que morava, Botafogo, enquanto meus companheiros, em sua maioria, iam à escola na parte da tarde. Brincava sozinho boa parte do dia. Descia para a rua e observava o tempo passar lento, no trânsito intenso da General Severiano, caminho para a Urca e para o Centro.  Lembrei do vento que cortava meu rosto e que empurrava as nuvens apressadas. E a caixa de recordações permanecia escancarada, quase em ebulição. Falei dos dos times de botão a bicicleta verde que partiu ao meio, assunto que despertou enorme interesse.  Acrescentei o autorama, os primeiros beijos, o pique-esconde e o surf mambembe.

Dos amigos contei pouco. Fiquei travado. Saudades dos distantes, saudade dos que encantaram, saudades das risadas descompromissadas e verdadeiras, das brigas e poesias, das canções e festivais. Das namoradas eternas, dos maracanãs lotados, do um e meio do Leme, das ondas, dos mares, dos lares, dos bares, do Sagres. Saudade do que eu fui e ainda sou. E por isso mesmo, doeu tanto ver o brilho da estrela que eu marquei no céu do Rio de Janeiro numa noite dessas de fevereiro de um 70 qualquer.

A história que contava sozinho, em silêncio para não acordar meu filho parecia não ter fim, parecia não querer ter fim. Queria poder reunir os rostos, os gestos e os apelidos em torno de uma mesa farta de som, luz e sonhos, que graças a Deus, não envelheceram.

Boa noite  e obrigado, meu filho. 


3 comentários:

  1. Como vocë é meigo, Raul... Como gosto dessas coisas

    táo singelas

    "...Queria poder reunir os rostos, os gestos e os apelidos em torno de uma mesa farta de som, luz e sonhos, que graças a Deus, não envelheceram.
    Boa noite e obrigado, meu filho. "


    coisas que adormecem meus anseios menores
    e enche o peito de um júbilo
    quase infantil.

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  2. o ritmo ditou a carga emotiva e deu ao discurso ainda mais intensidade. bacana.

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  3. Amor de minha vida, muito lindo isso aq, igualzinho vc.
    Bjo gigante,

    Carlinha meu amor

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