quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Cartão postal


            Onildo, um ubaense de 30 anos que aparenta ter 40. Corpo magro, marcado e esguio. Falante e antenado, realizou o primeiro de seus três sonhos: conseguir um emprego. Onildo agora é auxiliar de serviços gerais em uma pequena fábrica de estofados. Ganha lá o salário mínimo. Ele diz que mora em Bonsucesso, mas na verdade, dorme na rua, bem perto da fábrica. Ele diz que mora numa casa para evitar o preconceito: “Se falar que durmo na rua, vão me esculachar”, explica. Diz que tem o segundo grau, feito aos trancos e barrancos. Mais aos trancos, é claro. Já foi casado, tinha casa e um Chevette. Trabalhava em um posto de gasolina. Morou no Rio de Janeiro. Perdeu a mulher, a casa, o carro e o emprego.  Não perdeu a simpatia. Menos mal.
            O segundo sonho é economizar R$ 80 para colocar próteses: “Quero sorrir de novo, pra poder voltar pra vida”, diz. Quando dá se vira com um pão molhado. Seu patrimônio cabe numa desgastada mochila: duas camisas, uma calça, partes de um par de meias, um par de botas e documentos.
            Onildo é parte de um novo conceito de brasileiro. Novo, não. Um finalmente reconhecido brasileiro: o “morador na rua”, e não “morador de rua”. Essa categoria de cidadão convive com mendigos e guris que cheiram cola, no condomínio a céu aberto das ruas da cidade. São optantes sem opção. São passageiros de uma série de políticas sem resultados. São fotografias sociais que insistimos em não perceber. São dezenas, talvez centenas de outros que a cidade descobre entre seus sonhos urbanos, seus camelôs, prostitutas, menores abandonados, seus ladrões e trabalhadores. São pessoas que perderam o direito de ir e vir. Vários onildos - e outros tantos anônimos - , que disputam uma corrida sem chegada, sem podium, sem nada.
            Talvez o terceiro sonho de Onildo seja o mesmo que o seu. Ou talvez ele nem saiba mais qual é. Vai ver que ele nem possa mais ter. Foi bom perceber esse sorriso inteligente.   

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